
Harriette Verwey nasceu no Suriname, na América do Sul. Aos 18 anos mudou-se para os Países Baixos para concretizar o sonho de ser médica. Ela e outros estudantes do Suriname receberam uma bolsa de estudo que lhes permitiu frequentar a Universidade de Leiden. De origens humildes, atribui à sua infância o sentido de determinação e de serviço que a orienta desde então.
Cardiologista de profissão, exerceu durante mais de três décadas no Centro Médico Universitário de Leiden, onde foi chefe da Unidade de Cuidados Coronários, que recebia doentes com enfarte agudo do miocárdio ou outras patologias cardíacas potencialmente fatais. É reconhecida pelo seu trabalho em insuficiência cardíaca e pela introdução do uso do dispositivo mecânico de assistência ventricular em doentes sem possibilidade de transplante. Até à sua jubilação, em 2017, participou na seleção de candidatos a transplante cardíaco e destacou-se na sensibilização pública para as doenças cardiovasculares nas mulheres. Foi agraciada por Sua Majestade o Rei Willem-Alexander como Oficial da Ordem de Orange-Nassau e recebeu, entre outras distinções, o Prémio Dr. Sophie Redmond.
Rotária desde 2002, após o insistente convite de um paciente, tornou-se Governadora de distrito, mais tarde, exerceu as funções de Coordenadora Regional da The Rotary Foundation (2019–2022) e, atualmente, é a primeira mulher dos Países Baixos a integrar o Conselho Diretor de Rotary International, onde, na qualidade de diretora, supervisiona o Rotary em vários países, incluindo Grã-Bretanha, Irlanda, Países Baixos, a região flamenga da Bélgica, Espanha e Portugal.
A revista Rotary Portugal entrevistou-a nas sua recente visita ao nosso país.
Entrevista
Na sua jornada rotária, qual foi o momento que verdadeiramente mudou a sua vida?
O momento que realmente me mudou. Foi algo que aconteceu e me trouxe para o Rotary. O meu clube organizou um concerto de música para crianças que nasceram surdas e mudas, que nunca tinham experienciado música. E eu estava lá para ajudar. Nunca esquecerei da alegria no rosto dessas crianças, com as lágrimas a escorrerem pelas suas bochechas quando, pela primeira vez na vida, experienciaram música. Foi incrível.
Onde é que isso aconteceu?
Em Utrecht, nos Países Baixos. Foi isso que fez com que eu me tornasse rotária. Menciono isto, embora tenha acontecido há 23 anos, porque acho que, se nunca tivesse tido esta experiência, não teria entrado no Rotary. Eu não estava à procura do Rotary, mas alguém me convidou e pude participar nesse programa, que mudou toda a minha ideia – não de caridade, porque eu fazia caridade na igreja – de que, juntamente com outras pessoas, se pode causar impacto duradouro.
Qual foi o projeto rotário que mais a fez sentir orgulho de ser rotária?
Fui à Índia, para o Dia Nacional de Imunização, em 2019, e vi crianças que não tinham recebido a vacina contra a pólio, com deficiências, a viver na sujidade, na rua, a mendigar por comida e dinheiro. Mas também vi crianças que tiveram a sorte de ser vacinadas e de ter um futuro. Foi uma diferença como do dia para a noite. Isso foi, para mim, uma experiência memorável. E também vi, nesse país, os programas de lavagem das mãos, que, financiados por subsídios do Rotary, permitem que as meninas vão à escola. Havia o programa de higiene, onde se construíam casas de banho com latrinas, separadas, para que as meninas, quando tivessem o período, tivessem sempre as suas próprias casas de banho, as suas latrinas separadas, e isso levou a que não houvesse abandono escolar. Eu vi esse impacto. A vacinação, o fim da pólio. Não só como médica, mas porque os meus olhos viram a diferença entre os que não foram vacinados e os que foram. Na Europa não vemos pessoas com pólio, porque foi erradicada há muitos anos, mas quando vamos à Índia ou a África e vemos pessoas a arrastar as pernas, a andar sobre os cotovelos e a arrastar a parte inferior do corpo, pela sujidade e a mendigar, percebemos o legado do Rotary. E, claro, a capacitação das meninas e dar-lhes um futuro, simplesmente garantindo que há água potável e casas de banho separadas.
De que forma o Rotary moldou a pessoa que é hoje?
Tornou-me mais determinada a mudar o mundo. Eu era uma médica muito boa, reconhecida, mas quando nos reformamos, acaba aí. Com o Rotary, nunca acaba. Podemos continuar e continuar e continuar. E juntos, essa é a força do Rotary. Nunca se caminha sozinho, juntos mudamos o mundo. E, enquanto quisermos, podemos ser ativos, podemos participar e podemos juntar-nos a outros e fazer o que temos de fazer. O Rotary mudou-me, na minha determinação de aplicar competências e talentos para mudar o mundo, juntamente com outros.
O que sente no coração quando vê o impacto do Rotary numa comunidade?
Orgulho. Tenho orgulho no Rotary. Sou uma rotária orgulhosa porque nós fazemos mudanças que, daqui a dez anos, ainda lá estarão. Por isso, estou orgulhosa. E não me canso de o dizer às pessoas: tenham orgulho na organização que somos. As pessoas doam o seu dinheiro, o seu tempo, as suas competências, os seus talentos. Onde quer que estejam, sejam afortunadas, ricas ou menos abastados, mas juntas. Nessa união, temos um nome, somos rotários, servimos o Rotary.
Qual tem sido a sua maior alegria em servir através do Rotary?
Há muitas coisas para mencionar. Por exemplo, estar aqui, a falar convosco, rotários de Portugal, a experimentar a vossa energia, a vossa vontade de fazer algo, a vossa esperança no futuro. Cada encontro com um rotário é uma alegria.
O que a inspira, todas as manhãs, a continuar a dedicar o seu tempo e energia ao Rotary?
Em primeiro lugar, quando abro os olhos, agradeço a Deus por mais um dia. Como médica, sei que nem toda a gente tem a oportunidade de abrir os olhos na manhã seguinte. E depois penso: sim, sinto-me realizada. Por ser rotária – não apenas pelo Rotary, pois sou cristã, vou à igreja, etc. Tenho este sentimento de realização pessoal, que posso ser alguém com um propósito, alguém que alcançará os seus sonhos e que fará a diferença.
Que mensagem de esperança daria aos rotários que por vezes se sentem desanimados?
Eu diria: pensem no que vos trouxe para o Rotary e o que vos manteve no Rotary. Podem ter entrado no Rotary por um convite, talvez como eu, que fui convidada e realmente não sabia o que era o Rotary. Vi o que eles podiam fazer, mas não conhecia o resto. Depois descobri o que é o Rotary e isso manteve-me. Vi o valor do Rotary na comunidade e isso fez-me continuar. Não foram todas essas coisas, como de ter sido presidente de clube, governadora de distrito, coordenadora da fundação e por aí adiante. Não é essa a razão pela qual ainda estou no Rotary. Perceber que posso usar as competências, os talentos, as coisas que Deus me deu para mudar o mundo e que o Rotary apoia isso, abre-me o caminho para o fazer. Sim. Todas as manhãs acordo e digo: vou mudar alguma coisa.
Se tivesse de descrever a alma do Rotary, numa só palavra, qual seria?
Incrível.
Que sonho transporta consigo para o futuro do Rotary no mundo?
O meu sonho não é sobre números. O meu sonho é que muitas mais pessoas vejam o valor do Rotary, que se juntem, que se envolvam e mudem o mundo. Mais do que nunca, o mundo precisa do Rotary. Por causa dos nossos padrões éticos, por causa da nossa Prova Quádrupla, por causa dos nossos valores fundamentais, por causa das nossas competências. Nós somos capazes e temos a capacidade de mudar o mundo. Esse é o meu sonho e todos devem ser incluídos. Pode começar-se como rotaractista, aos 18 anos de idade, até ao tempo que Deus nos der neste planeta, seja aos 80 ou aos 90 anos. Não acredito que, por causa da idade, não se possa ter valor. Pode-se ter valor em qualquer idade da vida. Seja a sua sabedoria, a sua rede de contactos, o seu tempo ou o seu dinheiro, não há limite para ser útil ao Rotary.
Como gostaria de ser lembrada pelos rotários quando terminar o seu serviço como diretora?
Como alguém que está empenhada e que foi o “vento sob as asas” de outros rotários. Há uma canção, “The Wind Beneath My Wings” (O Vento Sob as Minhas Asas), para que se possa voar, para que se possa planar como uma águia. Quero ser lembrada como alguém muito empenhada, sempre a impulsionar os outros para um nível mais elevado, a ser o vento sob as suas asas. É assim que quero ser lembrada. Esse será o meu legado.